sábado, outubro 22, 2005

ARTIGO DE JOSÉ CORREIA


A poesiarte apresenta: José Correia. Escritor, editor-chefe do Jornal de Sábado de Cabo Frio-RJ e membro da Academia Cabofriense de Letras.

Vejamos um de seus textos publicados no Jornal de Sábado:


“Salve o compositor e poeta Victorino Carriço”

Dia 20 de maio de 2003. Terça-feira. Dia da morte do compositor e poeta Victorino Carriço. Há quem defenda que devemos festejar a morte e não o nascimento, porque é no fim que sabemos quem a pessoa foi. O sentido festejar não me agrada, embora saibamos quem Victorino foi e que merece todas as homenagens. Estive no velório de Victorino no Charitas. Falei com familiares do poeta - com Ercília, com Fernanda - e como soube que o enterro seria no mesmo dia fui à sede da Rede Litoral e fiz um comentário para a Rádio Litoral chamando a atenção para a hora do enterro de Victorino Carriço. Voltei logo para o féretro. Estacionei o carro na Praça Porto Rocha, ia em direção ao Charitas e ali na altura do Bradesco vi que o acompanhamento ao corpo de Victorino Carriço em sua última passagem sob a ponte, como dizia Antonio Terra, não seria feito a pé. Vi motos da Guarda Municipal facilitando o trânsito para o carro da funerária com uma coroa de flores sobre o teto que era seguido por uma fila de carros. Voltei para pegar meu carro a fim de me somar àquela corrente de sentimentos e ouço alguém, desinformado sobre o que estava acontecendo, comentar: “Rapaz, morreu um figurão”. Caminhava pela Praça Porto Rocha e ia pensando na frase, “morreu um figurão”. Victorino Carriço um homem simples, honesto, bom, dedicado à poesia, passava anos quase que desapercebidamente pela rua (ele costumava justificar seus passeios em Cabo Frio - ele vinha do Arraial do Cabo, onde morava - com o ensinamento de que “mamãe dizia: é melhor andar à toa do que ficar à toa”). E naquela terça-feira, Victorino Carriço era visto como um “figurão”. Bem que ele merecia ser tratado pelo que representava. Foi o primeiro gerente de Banco em Arraial do Cabo e sub-delegado, em 1972 foi o vereador mais votado de Cabo Frio e presidente da Câmara. Mas Victorino Carriço não fez essa opção promissora que qualquer outra pessoa faria. Ele foi diferente, dissidente. Deixou tudo isso de lado e fez muitos hinos (as letras sempre com um ensinamento, uma filosofia de vida). O hino de Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Arraial do Cabo, do Clube Tamoyo, da Álcalis, da escola Sagrado Coração de Jesus. Fez belas composições, como “Voltei ao Baixo Grande”. Ele criou porque faltava alguém para dar vida onde faltava vida. Fez sem cálculo, sem o menor interesse de transformar tudo isso em cifrões. Aquela existência oficial de ser vereador, gerente de Banco, de fundador de clube, era a vida repetitiva, sem criatividade. Esse figurino não cabia em Victorino porque ele era incomum. Ele se deu, comprometeu sua vida, seu conforto e o de sua família, por uma causa. Quantos sabem a luta que Victorino travou? Ele nos fez acreditar que o ser humano é bom, pode fazer coisas belas. A nobreza está neste projeto sincero de vida. Voltei a pensar na frase que havia ouvido na rua e me convenci: “Sim, morreu um figurão”. E a luz invadiu o abismo.


Ainda Victorino - Conheci bem Victorino ali pelos anos 1980. Freqüentemente ele estava na casa em que morava em frente ao Clube Tamoyo. Conversávamos. Hoje todo mundo tenta tirar uma casquinha de Victorino Carriço. Não pretendo fazer isso. Embora a diferença de idade entre nós fosse de 40 anos, tínhamos em comum algumas coisas. Estudamos no Colégio Brasil, em Niterói. Éramos da Academia Cabofriense de Letras, tínhamos amigos em comum. Ele me dava o privilégio de gastar o tempo com ele. Como Victorino, sempre me achei despreparado para tirar proveito da vida em seu sentido mais literal, ganhar dinheiro, falar sobre coisas objetivas. Embora achasse Victorino um nostálgico - ele disse em uma de suas canções, “não sei porque cresci”, num hino, “o passado não volta jamais”, e em outros momentos, a saudade de mamãe -, ele me lembrava meu pai e isso me agradava. Editava o jornal Aqui, onde Victorino publicava suas trovas/pensamentos. Sei algumas de cor. Estive com ele na Ponta do Ambrósio, ele me mostrando a casa onde nascera e a ponte ligando a Ponta do Ambrósio a Cabo Frio com seu nome, a Ponte Victorino Carriço, uma homenagem do deputado estadual Otime dos Santos. Acho sensacional a sua memória sonora, a de quem, em 1920, ouviu a queda da ponte de Cabo Frio. Em 1926, garoto, ele estava com sua turma do Sagrado Coração para a inauguração da Ponte Feliciano Sodré. Volto a terça-feira, no sepultamento. Que bela voz, a voz de Reci, mulher de Tonga, puxando o hino de Cabo Frio no enterro de seu tio Victorino Carriço. Quero colaborar em divulgar um desejo de Victorino Carriço: ele volta e meia me dizia que queria ser reconhecido como compositor e nem tanto como poeta. Salve o compositor Victorino Carrriço!
(Escritor José Correia)

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