domingo, dezembro 11, 2005

ARTIGO DE ELÍSIO GOMES


A poesiarte apresenta: Elisio Gomes. Membro da Academia Cabofriense de Letras e pesquisador sobre os naufrágios na costa brasileira.


Vejamos um artigo de sua autoria:


A morte de Manuel Antônio de Almeida, o autor do clássico da literatura
brasileira: “Memórias de um Sargento de Milícias”.

Na ocasião do desastre do vapor Hermes na madrugada do dia 28 de novembro de 1861, na costa de Macaé, o jornal Correio da Tarde, fez o seguinte necrológico: “Dentre as vítimas, que veio lançar o luto no seio de muitas famílias, não podemos deixar de mencionar especialmente o Sr. Dr. Manoel Antônio de Almeida, cuja morte prematura roubou à imprensa fluminense e às letras pátrias um dos seus representantes, que mais honra lhes dava”.
Sobre a morte do autor de “Memórias de um Sargento de Milícias”, José Veríssimo escreveu: “Com ele, pode dizer-se, naufragou a talvez mais promissora esperança do romance brasileiro”.
A companhia de navegação União Campista e Fidelista
Ao norte da província do Rio de Janeiro, o governo estava para inaugurar o mais longo canal do Império. A escoação da produção agrícola campista esteve sempre atravancada pela foz estrangulada do rio Paraíba. Havia necessidade de grandes navios. Mas estes só poderiam ancorar com segurança, bem mais ao sul, isto é, no porto de Imbetiba, em Macaé. E assim o canal Campos-Macaé, foi aberto a braço escravo, para escoar a riqueza campista. Seria um dia festivo, pois junto com a comemoração de abrir-se uma via de comunicação com o município de Campos, era o aniversário de Dom Pedro II. Nos jornais da Corte, a companhia de navegação União Campista e Fidelista, anunciava que a viagem do vapor Ceres substituiria a do contrato no mês próximo e era feita justamente com antecipação para levar os passageiros que quisessem ir assistir à abertura do colossal canal.
O município nortista vivia bons momentos. A produção de açúcar no ano de 1861 excedeu as esperanças, e muitos fazendeiros chegaram a perder muita cana, não por causa da seca, mas por faltar-lhe materialmente o tempo para moê-la. A safra de legumes também foi abundante.
Versões diferentes para o motivo que levaram o escritor a viajar para Campos
Escrevem alguns que Manuel Antônio de Almeida viajou para cobrir a reportagem da inauguração do canal, o que não é verdade, pois ele já estava fora do Mercantil por um bom tempo, outros escrevem que ele foi tratar de assuntos ligados a sua eleição, pois, aproximava-se o dia em que a província tinha de escolher os deputados à sua assembléia, o que também não parece ser verdadeiro, pelo fato de ele não fazer parte do colégio eleitoral de Campos. Em verdade, Almeida na ocasião exercia a posição de 2º conselheiro oficial da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda, e acreditava-se até então que por força de sua posição naquela Secretaria, tivesse se deslocado para Campos, a fim de representá-la nas festividades da importante obra para a economia do Império escravocrata, mas Maneco, cuja pobreza, somada à necessidade de sustentar mãe e irmãs, levou-o a buscar “um dos lugares da inspetoria itinerante da escola na Província”, que lhe renderia alguns réis, conforme comunica a Quintino Bocaiúva, com quem mantinha correspondência regular.
A última viagem do Hermes
Muitos dos alegres hóspedes do pequeno vapor Hermes, certamente debruçados na amurada apreciavam magnífica da baía de Guanabara. A paisagem não seria mais encantadora. À medida que o casco rompia a superfície prateada da baía, mais se extasiavam com aquele cenário imponente das montanhas cobertas por uma vegetação de um verde refrescante. E pouco a pouco, distante avistava-se encimando os morros e em meio ao casario de telhado vermelho, as torres e pináculos, os campanários, as cúpulas das igrejas do Rio. As imagens tão íntimas das moradias e dos templos do anedótico e folclórico mundo carioca, abraçado por uma natureza exuberante, Manuel de Almeida as viu pela última vez, quando o vapor começou a guinar lentamente para o norte. O benquisto Maneco que havia no mês de outubro último, completado 30 anos, olhou para sua cidade e deu o seu último adeus.
Vidas enlutadas
Depois de uma viagem, no qual encontrara vento e correntes contrários, o Hermes chegou à enseada de Macaé por volta das 3 horas da madrugada do dia 28 de novembro de 1861, para desembarcar três passageiros, e após uma curta demora, o Hermes zarpou para logo em seguida naufragar. As cartas que chegaram as redações da corte após o sinistro, como as próprias notas da imprensa desabaram-se em acusações contra a gerência da companhia e contra o capitão.
“Devendo no dia 30 partir da corte o vapor Ceres para Cabo Frio e Macaé, por que razão o Hermes desviou-se de sua derrota contra o anúncio dados aos passageiros. Mas o que é verdade é que este capricho da gerência em favor dos três passageiros para Macaé...” (Correio Mercantil).
“Uma triste realidade veio ontem enlutar a muitas famílias e provar mais uma vez o desleixo e imprevidência com que se fazem geralmente entre nós, os serviços públicos”. (Diário do Rio de Janeiro).
“Esta catástrofe foi toda devida à imprudência do comandante. O Hermes nessa viagem não tinha que fazer escala pôr Macaé. Entrou nesse porto por interesse de alguns passageiros a que o comandante quis servir. Como, porém, o desvio da derrota marcado retardava a viagem, e o vapor não poderia chegar à barra de Campos com maré que desse entrada o comandante assentou de seguir em rumo direito, deixando de fazer a volta de costume, e deu com o vapor sobre as pedras. Ficará impune o homem que enlutou tantas vidas?” (A Atualidade).
Finalmente descanso
A imprensa recebeu a lista dos sobreviventes, e certificou que o nome de Manuel Antônio de Almeida ali não se encontrava. O Correio Mercantil, logo pranteou a sua morte, certamente por intermédio do punho de alguém que conheceu Almeida nos anos em que ele lá trabalhou:
“Na lista dos náufragos que escaparam do desastre, não encontramos o nome de um nosso irmão de letras, o Dr. Manoel Antônio de Almeida... Dotado de um talento extraordinário, Almeida adivinhava com alguns momentos de atenção tudo o que não estudava e escrevia sobre assuntos examinados de relance como se de longo espaço os tivesse aprofundado. Apesar de sua imaginação ardente, tinha um estilo rápido e conciso, de sorte que os seus artigos eram admiráveis pela sobriedade da frase, abundância da idéia e beleza da forma. Se a agitação de sua vida não o houvesse desviado da imprensa, Almeida podia ter sido o mais ilustre de nossos jornalistas. Mas esse infeliz mancebo, arcando com a pobreza e tendo de prover a subsistência e futuro de suas irmãs, viu-se obrigado a deixar a carreira de sua predileção, que poucos lucros oferece, roubando entretanto o melhor do tempo, o sossego de espírito e até mesmo as amizades irritadiças. Há um ano que ele vivia como que em desespero, e desanimado dos homens e de si próprio. A viagem que empreendeu era ainda um esforço contra o mau destino. Foi o último: parece que ele pode dizer como Alfieri: Finalmente descanso”.
Enterraram seu corpo desfigurado no cemitério de Barreto
À medida que o tempo passava, os corpos que davam nas praias apresentavam-se irreconhecíveis. Ao sul de Macaé, na praia de Itapebussus, veio dar um cadáver de homem, que beirava uns 25 anos. Também naquela praia apareceram caixões com livros, uma outra caixa contendo objetos de daguerreótipo, uma agulha de marear, alguns lavatórios, entre outros objetos. Consta que bem mais ao sul - na costa de Armação dos Búzios - apareceram dois corpos, um já sem cabeça, o qual foi sepultado no cemitério da capela local e outro de um menino que pelo estado adiantado de decomposição, foi sepultado na mesma praia. Ali também veio dar um baú, que continha roupas.
E o corpo de Almeida foi devolvido pelo mar? Uma carta de Macaé publicada no Correio Mercantil, datada de 4 de dezembro e assinada por um tal Dr. Portela, trás a seguinte informação:
“Depois da partida do Ceres, apareceram quatro cadáveres de brancos na praia do Norte, Eu e três companheiros fizemos enterrá-los no cemitério do Barreto; mal sabia eu então que mandava dar sepultura cristã a um amigo nosso. O Dr. Manoel Antônio de Almeida. Quando hoje disseram-me que ele tinha vindo no Hermes e perecido no naufrágio, combinando a marca da roupa (ceroulas e meias) com os traços um pouco desfigurados do seu rosto, que na ocasião me pareceram estranhos, nenhuma dúvida tenho de que era seu um dos corpos que mandamos enterrar no cemitério ...”
Morreu um grande talento, um grande caráter e um grande coração
Para finalizar, transcrevemos abaixo, o que escreveu o A Atualidade, quando, soube-se que Maneco, não havia sobrevivido na catástrofe do Hermes:
“Cada família que ali perdeu um membro chora hoje esse infortúnio sem remédio. A dor da literatura é das mais intensas e das mais legítimas; também a família dos escritores perdeu ali um de seus filhos que maior honra e mais firmes esperanças lhes dava. Morreu ali um grande talento, um grande caráter e um grande coração.”

(Escritor Elisio Gomes Filho)

sábado, dezembro 03, 2005

POESIARTE EM FOCO DE TEIXEIRA E SOUSA


A poesiarte apresenta: Antonio Gonçalves Teixeira e Sousa. Autor do primeiro romance brasileiro "O Filho do Pescador" em 1843. Filho de Cabo Frio, nome de avenida e escola.

Vejamos um poema de sua autoria:


"Soneto"


Como a noite sem astros tenebrosa;
Como sem sol um dia sem fulgores;
Como o prado já murcho, sem verdores;
Como em peste cidade lutuosa;


Como nau em tormenta desastrosa;
Como jardim plantado, mas sem flores;
Como gentil mancebo sem amores;
Como viúva rola, e tão saudosa;


Qual casa de família sem crianças;
Qual peito que não tem uma amizade;
Tal eu, meu doce bem, nestas mudanças.


Vou sofrer na mais triste soledade
A duvidosa vida d'esperança,
A dolorosa morte da saudade!


(Teixeira e Sousa)